domingo, 7 de novembro de 2010

JOSÉ

E  agora,José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora,José?
e agora,você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que fez versos,
que ama,protesta?
e agora,José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora,José?

E agora,José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José,e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro,José!

Sózinho no escuro
qual bicho-de-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha,José!
José,para onde?

De Carlos Drummond de Andrade(1902 - 1987)

2 comentários:

Um brasileiro disse...

demais. apareça por lá. abraços.

Liou Duvinini disse...

Interesante...