terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

SENHOR ARCANJO

Senhor arcanjo
Vamos jantar!
Caem os anjos
Num alguidar

Hibernam tíbias
Suspiram rãs
Comem orquídeas
Nas barbacãs

Entra na porta
Menino-faia
Prova uma torta
Desta papaia

Palita os dentes
Põe-te a cavar
Dormem videntes
No Ultramar

Que bela fita
Que bem não está
A prima Bia
De tafetá

Come um repolho
E vai o lente
Parte-se um pente
Fura-se um olho

A pacotilha
Tem mais amor
À gargantilha
Do regedor

Põe a gravata
Menino bem
Que essa cantata
Não soa bem

Senhor arcanjo
Vamos jantar
Caem os anjos
Num alguidar
E as quatro filhas
Do marajá
Vão de patilhas
Beber o chá

De José Afonso
Nos 23 anos da sua morte

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

TOMA TOMA TOMA

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra,
contundentes,contundidos,esmocados,
com vozes de cana rachada e um toma toma toma
de quem não usa a moca para coçar os piolhos,
mas para rachar as cabeças.

O padreca,o diabo,a criadita,
o tarata,a velha alcoviteira,o galã
e,às vezes,um verdadeiro rato branco trapezista,
tramavam para nós uma estafada estória
da nossa própria vida.

Mundo de pasta e de trapo
que armava barraca em qualquer canto
e sem contemplações pela moral de classe
nem as subtilezas de quem fica ileso
desancava os maus e beijocava os bons.

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra.

Ainda hoje esbracejo e me esganiço como esses
matraquilhos da comédia humana.

De Alexandre O'Neill

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A MINHA DUREZA


Por sobre cem degraus tenho que avançar,
Tenho que subir -  e ouço-vos gritar:
"És duro! Acaso somos feitos de calhau?"
Por sobre cem degraus tenho que avançar,
E ninguém gosta de servir de degrau.

De F.Nietzsche