Ó Portugal,se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde,Algarve de cal,
jerico tapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com o vento
testarudo,mas embolado e,afinal,amigo,
se fosses só o sal,o sol,o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanídios,
se fosses só a cegarrega do estio,dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado,a grila no lábio,
o calendário na parede,o emblema na lapela,
ó Portugal,se fosses só três sílabas
de plástico,que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante,barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana,toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal:questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso,fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes,sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
De Alexandre O'Neill
sábado, 28 de maio de 2011
sábado, 14 de maio de 2011
PRÉMIO CAMÕES
Vai pois,poema,procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob bastante literatura.
Se a escutares,porém,tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então,se puderes,pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.
Mas não olhes para trás,não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
o teu canto,insensato,será feito
só de melancolia e de despeito.
E de discórdia.E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
in "Arte Poética" de Manuel António Pina
a voz literal
que desocultamente fala
sob bastante literatura.
Se a escutares,porém,tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então,se puderes,pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.
Mas não olhes para trás,não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
o teu canto,insensato,será feito
só de melancolia e de despeito.
E de discórdia.E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
in "Arte Poética" de Manuel António Pina
segunda-feira, 9 de maio de 2011
domingo, 8 de maio de 2011
quarta-feira, 4 de maio de 2011
AS ROSAS
Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.
Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
um corpo aberto como os animais.
De Eugénio de Andrade
Fotografia de António Dias
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.
Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
um corpo aberto como os animais.
De Eugénio de Andrade
Fotografia de António Dias
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