segunda-feira, 12 de maio de 2008

O FALSO MENDIGO


Minha Mãe,manda comprar um quilo de papel almaço na venda
Quero fazer uma poesia.
Diz a Amélia para preparar um refresco gelado
E me trazer muito devagarinho.
Não corram,não falem,fechem todas as portas a chave
Quero fazer uma poesia.
Se me telefonarem,só estou para Maria
Se fôr o Ministro,só recebo amanhã
Se fôr um trote,me chame depressa
Tenho um tédio enorme da vida.
Diz a Amélia para procurar a Patética no rádio
Se houver um grande desastre vem logo contar
Se o aneurisma de dona Ãngela arrebentar,me avisa
Tenho um tédio enorme da vida.
Liga para vovó Nenen,pede a ela uma ideia bem inocente
Quero fazer uma grande poesia.
Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde
Se eu dormir,pelo amor de Deus,me acordem
Não quero perder nada na vida.
Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
Tenho um tédio enorme de vida.
Minha Mãe estou com vontade de chorar
Estou com taquicardia,me dá um remédio
Não,antes me deixa morrer,quero morrer,a vida
Já não me diz mais nada
Tenho horror da vida,quero fazer a maior poesia do mundo
Quero morrer imediatamente.
Fala para o Presidente para fecharem todos os cinemas
Não aguento mais ser censor.
Ah,pensa uma coisa,minha Mãe,para distrair teu filho
Teu falso,teu miserável,teu sórdido filho
Que estala em fôrça,sacrifício,violência,devotamento
Que podia britar pedra alegremente
Ser negociante cantando
Fazer advocacia com o sorriso exato
Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
Saber ser o melhor,o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia.

De Vinicius de Moraes
Pintura de Rembrandt


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