terça-feira, 28 de abril de 2009

AOS MORTOS-VIVOS DO TARRAFAL


Ao cabo de Cabo Verde
dobrado o cabo da guerra
quando o mar sabia a sede
e o sangue cheirava a terra
acabou por ser mais forte
a esperança perseguida
porque aconteceu a morte
sem que se acabasse a vida.

Ao cabo de Cabo Verde
no campo do Tarrafal
é que o futuro se ergue
verde-rubro Portugal
é que o passado se perde
na tumba colonial.
Ao cabo de Cabo Verde
não morreu o ideal.

Entre o chicote e a malária
entre a fome e as bilioses
os mártires da classe operária
recuperam suas vozes.
E vêm dizer aqui
do cabo de Cabo Verde
que não morrem ali
porque a esperança não se perde.

Bento Gonçalves torneiro
ainda trabalhas o ferro
deste povo verdadeiro
sem a ferrugem do erro.

Caldeira de nome Alfredo
fervilham no teu caixão
contra o ódio e contra o medo
gérmens de trigo e de pão.

E tu também Araújo
e tu também Castelhano
e também cada marujo
que morreu a todo o pano.

Todos vivos!Todos nossos!
vinte trinta cem ou mil
nenhum de vós é só ossos
sois todos cravos de Abril!

No campo do Tarrafal
no sítio da frigideira
hasteava Portugal
a sua maior bandeira.

Bandeira feita em segredo
com as agulhas das dores
pois o tempo do degredo
mudava o sentido às cores:
o verde de Cabo Verde
o chão da reforma agrária
e o Sol vermelho esta sede
duma água proletária.

Do cabo de Cabo Verde
chegam tão vivos os mortos
que um monumento se ergue
para cama dos seus corpos.
Pois se o sono é como o vento
que motiva um golpe de asa
é a vida o monumento
dos que voltaram a casa.

De Ary dos Santos

3 comentários:

mc disse...

Comecei a ler, e conforme avançava, verso a verso, mais claro se me fazia na ideia só poder ser um o vate: Ary.

Não era difícil o vaticínio.

Ele todo. Com aquela força que o distinguia.

Bravo, meu irmão.
Obrigado pela coragem transmitida.

mc disse...

Faltou uma observação:
lá está bem visível uma "frigideira", na foto...

Judô e Poesia disse...

É um belo poema, e um blog com belas qualidades, estarei te visitando mais vezes, para repetir o prazer da boa leitura. Abraços. Domingos.