Eu
O cidadão sem cor que entra diariamente
Pela porta de vidro e aço transparente
Assina o ponto pontualmente
E sorri ao redor com todos os dentes
E senta-se na mesa marrom bovinamente
Olha os papéis com duas lentes
Começa a carimbar maquinalmente
Passa as mãos nos cabelos feito pente
Engole de uma vez o cafezinho quase quente
Bate na máquina cada vez mais rapidamente
Com os olhos a brilhar loucamente
O juízo querendo escapar da mente
E conversa com todos suavemente
Recitando com língua de serpente
Olha o tempo passando velozmente
Cada vez sentindo-se mais carente
Amando com os olhos indecentes
Cada bunda que lhe passa pela frente
Pensando na morte muito constantemente
Um pavor que aumenta e se faz presente
A certeza chegando lentamente
De um futuro tão deprimente
Que só sabe dizer,infelizmente
Que um dia irá solenemente
Vingar-se de toda essa gente
Não sou
Eu
Que queria por tudo ser poeta
E se esse desejo é muita pretensão
Ser pelo menos uma pessoa aberta
Sem ter que camuflar o coração
Ter um sorriso de batom na boca
E um papagaio do ombro ao dedo
Queria ser aquele eterno arlequim
Que entra sem medo na roda das crianças
Amigo bem chegado em qualquer botequim
Na ponta da língua sempre uma esperança
De mudar esse mundo de porradas e torturas
Onde o dinheiro vale mais que a palavra
A empresa vale mais que a pessoa
A máquina vale mais que o ser humano
E nada valem as festas e as missas
Quero ser simples e doce como rapadura
Lutar para que a terra seja de quem a lavra
E a vida sobre ela seja boa
E não se alimente mais a fome
Nem se precise implorar por justiça
De GERSON DESLANDES,in POETAGEM
(Vencedor do V Prêmio Literário Livraria Asabeça 2006/Categoria POESIA)
Foto do poeta,apresentando a sua "punheta" no Reveillon familiar de 2007/2008)
Um comentário:
Gostei.
Seu Gerson é poeta mesmo!
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