segunda-feira, 24 de março de 2008

BALANÇO DO FILHO MORTO


HOMEM SENTADO na cadeira de balanço

Sentado na cadeira de balanço

Na cadeira de balanço

De balanço

Balanço do filho morto.


Homem sentado na cadeira de balanço

Todo o teu corpo diz que sim

Teu corpo diz que sim

Diz que sim

Que sim,teu filho está morto.


Homem sentado na cadeira de balanço

Como um pêndulo,para lá e para cá

O pescoço fraco,a perna triste

Os olhos cheios de areia

Areia do filho morto.


Nada restituirá teu filho à vida

Homem sentado na cadeira de balanço

Tua meia caída,tua gravata

Sem nó,tua barba grande

São a morte

são a morte

A morte do filho morto.


Silêncio de uma sala: e flôres murchas,

Além,um pranto frágil de mulher

Um pranto...o olhar aberto sobre o vácuo

E no silêncio a sensação exacta

Da voz,do riso,do reclamo débil.

Da órbita cega os olhos dolorosos

Fogem,moles,se arrastam como lesmas

Empós a doce,inexistente marca

Do vómito,da queda,da mijada.

Do braço foge a tresloucada mão

Para afagar a imponderável luz

De um cabelo sem som e sem perfume.

Fogem da boca lábios pressurosos

Para o beijo incolor na pele ausente.

Nascem ondas de amor que se desfazem

De encontro à mesa,à estante,à pedra mármore.

Outra coisa não há senão o silêncio

Onde com pés de gêlo uma criança

Brinca,perfeitamente transparente

Sua carne de leite,rosa e talco.

Pobre pai,pobre,pobre,pobre,pobre

Sem memória,sem músculos,sem nada

Além de uma cadeira de balanço

No infinito vazio... o sofrimento

Amordaçou-te a boca de amargura

E esbofeteou-te palidez na cara.

Ergues nos braços uma imagem pura

E não teu filho; jogas para cima

Um bocado de espaço e não teu filho

Não são cachos que sopras,porém cinzas

A asfixiar o ar onde respiras.

Teu filho é morto; talvez fosse um dia

A pomba predileta,a glória,a messe

O teu porvir de pai; mas nôvo e tenro

Anjo,levou-o a morte com cuidado

De vê-lo tão pequeno e já exausto

De penar - e eis que agora tudo é morte

Em ti,não tens mais lágrimas, e amargo

É o cuspo do cigarro em tua boca.

Mas deixa que eu te diga,homem temente

Sentado na cadeira de balanço

Eu que moro no abismo,eu que conheço

O interior das entranhas das mulheres

Eu que me deito à noite com os cadáveres

E liberto as auroras do meu peito:

Teu filho não morreu! a fé te salva

Para a contemplação da sua face

Hoje tornada a pequenina estrêla

Da tarde,a jovem árvore que cresce

Em tua mão: teu filho não morreu!

Uma eterna criança está nascendo

Da esperança de um mundo em liberdade.

Serão teus filhos,todos,homem justo

Iguais ao filho teu; tira a gravata

Limpa a unha suja,ergue-te,faz a barba

Vai consolar tua mulher que chora...

E que a cadeira de balanço fique

Na sala,agora viva,balançando

O balanço final do filho morto.


De Vinicius de Moraes

Um comentário:

Anônimo disse...

Um tanto para o "pesado". Naturalmente.

Mas muito bom. Impressivo. Expressivo.

É Vinicius!

mc