HOMEM SENTADO na cadeira de balanço
Sentado na cadeira de balanço
Na cadeira de balanço
De balanço
Balanço do filho morto.
Homem sentado na cadeira de balanço
Todo o teu corpo diz que sim
Teu corpo diz que sim
Diz que sim
Que sim,teu filho está morto.
Homem sentado na cadeira de balanço
Como um pêndulo,para lá e para cá
O pescoço fraco,a perna triste
Os olhos cheios de areia
Areia do filho morto.
Nada restituirá teu filho à vida
Homem sentado na cadeira de balanço
Tua meia caída,tua gravata
Sem nó,tua barba grande
São a morte
são a morte
A morte do filho morto.
Silêncio de uma sala: e flôres murchas,
Além,um pranto frágil de mulher
Um pranto...o olhar aberto sobre o vácuo
E no silêncio a sensação exacta
Da voz,do riso,do reclamo débil.
Da órbita cega os olhos dolorosos
Fogem,moles,se arrastam como lesmas
Empós a doce,inexistente marca
Do vómito,da queda,da mijada.
Do braço foge a tresloucada mão
Para afagar a imponderável luz
De um cabelo sem som e sem perfume.
Fogem da boca lábios pressurosos
Para o beijo incolor na pele ausente.
Nascem ondas de amor que se desfazem
De encontro à mesa,à estante,à pedra mármore.
Outra coisa não há senão o silêncio
Onde com pés de gêlo uma criança
Brinca,perfeitamente transparente
Sua carne de leite,rosa e talco.
Pobre pai,pobre,pobre,pobre,pobre
Sem memória,sem músculos,sem nada
Além de uma cadeira de balanço
No infinito vazio... o sofrimento
Amordaçou-te a boca de amargura
E esbofeteou-te palidez na cara.
Ergues nos braços uma imagem pura
E não teu filho; jogas para cima
Um bocado de espaço e não teu filho
Não são cachos que sopras,porém cinzas
A asfixiar o ar onde respiras.
Teu filho é morto; talvez fosse um dia
A pomba predileta,a glória,a messe
O teu porvir de pai; mas nôvo e tenro
Anjo,levou-o a morte com cuidado
De vê-lo tão pequeno e já exausto
De penar - e eis que agora tudo é morte
Em ti,não tens mais lágrimas, e amargo
É o cuspo do cigarro em tua boca.
Mas deixa que eu te diga,homem temente
Sentado na cadeira de balanço
Eu que moro no abismo,eu que conheço
O interior das entranhas das mulheres
Eu que me deito à noite com os cadáveres
E liberto as auroras do meu peito:
Teu filho não morreu! a fé te salva
Para a contemplação da sua face
Hoje tornada a pequenina estrêla
Da tarde,a jovem árvore que cresce
Em tua mão: teu filho não morreu!
Uma eterna criança está nascendo
Da esperança de um mundo em liberdade.
Serão teus filhos,todos,homem justo
Iguais ao filho teu; tira a gravata
Limpa a unha suja,ergue-te,faz a barba
Vai consolar tua mulher que chora...
E que a cadeira de balanço fique
Na sala,agora viva,balançando
O balanço final do filho morto.
De Vinicius de Moraes
Um comentário:
Um tanto para o "pesado". Naturalmente.
Mas muito bom. Impressivo. Expressivo.
É Vinicius!
mc
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