sexta-feira, 13 de junho de 2008

CANTO FRANCISCANO


Por onde passaste tu

que não soubeste passar?

Pela sandália do tempo

pelo cílio do luar

pelo cilício do vento

pelo tímpano do mar?

Por onde passaste tu

que não soubeste passar?


Por onde passaste tu

que me ficaste cá dentro

tenaz do fogo divino

irmão pinho ou aloendro?

Por onde passaste tu

que me ficaste cá dentro?


Pois bem: nos campos da fome

ou nos caminhos do frio

se eu encontrasse o teu nome

lançava-te o desfio:

por onde passaste tu

pétala viva dos pobres

irmão dos cardos dos cerdos

rei das chagas e dos podres

- por onde passaste tu

não passaram minhas dores!


Nasci da mãe que não tive

do pai que nunca terei

e aquilo que sobrevive

é o irmão que não sei:

uma espécie de fogueira

de corpo que me deslumbra.

Tudo o mais à minha beira

é uma réstia de sombra.

- Por onde passaste tu

com artelhos de penumbra?


Eis-me. Eis-me: Incendiado

por não saber perdoar.

Meu irmão passa de lado:

- Eu sei como hei-de passar.


De Ary dos Santos

Na comemoração do Dia de Santo António de Lisboa

2 comentários:

matulão disse...

Finalmente, dirás, que este gajo se resolve a dizer alguma coisa, depois de tanta promessa - e de algumas ameaças de silenciamento da tua parte, perfeitamente justificadas...
Que dizer do trabalho de um homem da estatura do autor? Não me tento fazê-lo: prefiro lê-lo, digeri-lo e normalmente empolgar-me com a força e sinceridade da sua poesia.

Anônimo disse...

É um jogo que faço comigo: não vou ao final ver de quem é o poema. Vou lendo e vendo se "topo" o autor.
Neste, julgo que nunca falhei...
É isso: uma garra, uma força!...
mc