Por onde passaste tu
que não soubeste passar?
Pela sandália do tempo
pelo cílio do luar
pelo cilício do vento
pelo tímpano do mar?
Por onde passaste tu
que não soubeste passar?
Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro
tenaz do fogo divino
irmão pinho ou aloendro?
Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro?
Pois bem: nos campos da fome
ou nos caminhos do frio
se eu encontrasse o teu nome
lançava-te o desfio:
por onde passaste tu
pétala viva dos pobres
irmão dos cardos dos cerdos
rei das chagas e dos podres
- por onde passaste tu
não passaram minhas dores!
Nasci da mãe que não tive
do pai que nunca terei
e aquilo que sobrevive
é o irmão que não sei:
uma espécie de fogueira
de corpo que me deslumbra.
Tudo o mais à minha beira
é uma réstia de sombra.
- Por onde passaste tu
com artelhos de penumbra?
Eis-me. Eis-me: Incendiado
por não saber perdoar.
Meu irmão passa de lado:
- Eu sei como hei-de passar.
De Ary dos Santos
Na comemoração do Dia de Santo António de Lisboa
2 comentários:
Finalmente, dirás, que este gajo se resolve a dizer alguma coisa, depois de tanta promessa - e de algumas ameaças de silenciamento da tua parte, perfeitamente justificadas...
Que dizer do trabalho de um homem da estatura do autor? Não me tento fazê-lo: prefiro lê-lo, digeri-lo e normalmente empolgar-me com a força e sinceridade da sua poesia.
É um jogo que faço comigo: não vou ao final ver de quem é o poema. Vou lendo e vendo se "topo" o autor.
Neste, julgo que nunca falhei...
É isso: uma garra, uma força!...
mc
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