Ontem à noite,quando tudo já dormia E o vento com suspiros indecisos, Pelas vielas mal corria, Nenhum repouso me dava o travesseiro, Nem a papoula,nem o que de resto Dá sono profundo - a consciência tranquila.
Expulsei por fim da ideia do sono E corri para a praia. Havia luar E o tempo estava ameno, - encontrei Homem e barco sobre a areia quente, Sonolentos ambos,pastor e ovelha: - Sonolento o barco se afastou de terra.
Uma hora,talvez mesmo duas, Ou foi um ano? - Então,de súbito, Espírito e pensamentos mergulharam Numa eterna monotonia, E um abismo sem limites Se abriu: - e tudo acabou!
- A manhã chegou: sobre profundas negras Está um barco que repousa,repousa... Que aconteceu? Ouviu-se um grito,e em breve Mais cem gritos: Que houve? Sangue? - - Nada aconteceu! Dormimos,dormimos Todos - ai,tão bem! tão bem!
Eu canto porque a voz nasce e tem de libertar-se. E grito porque respondo às lanças que me espectam e aos braços que me chamam. E porque,dia e noite,minhas mãos e meus olhos, por estranhas telegrafias, dos cantos mais ignotos e das linhas perdidas e dos sempre esquecidos e dos lagos remotos, e dos montes, recebem longas mensagens e comunicações: para que grite e cante.
O meu grito e meu canto é a voz de milhões.
Por isso que me importa? Eu canto e cantarei o que tiver a cantar e grito e gritarei o que tiver a gritar e falo e falarei o que tiver a falar.
Direis que não é poesia. E a mim que me importa se eu estou aqui apenas para escancarar a porta e derrubar os muros? E a mim que importa se vós sois afinal o que hei-de ultrapassar e esmigalhar em nome de todos os futuros?
Eu sigo e seguirei como um doido ou um anjo, obstinado e heróico a caminho de nós em palavras e acções por todos os vendavais e temporais e multidões nos campos mais ignotos e nas linhas perdidas e nos campos esquecidos e nos lagos remotos e nos montes - por terra,mar e ar.
Direis que não é poesia E a mim que importa! Convosco ou não,meu galope é em frente. Pertenço a outra raça,a outro mundo,a outra gente.
Já não há mordaças,nem ameaças,nem algemas que possam perturbar a nossa caminhada, em que os poetas são os próprios versos dos poemas e onde cada poema é uma bandeira desfraldada.
Ninguém fala em parar ou regressar. Ninguém teme as mordaças ou algemas. - O braço que bater há-de cansar e os poetas são os próprios versos dos poemas.
Versos brandos...Ninguém mos peça agora. Eu já não me pertenço: Sou da hora. E não há mordaças,nem ameaças,nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada, onde cada poema é uma bandeira desfraldada e os poetas são os próprios versos dos poemas.
Deus quer,o homem sonha,a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda una, Que o mar se unisse,já não separasse. Sagrou-te,e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou,correndo,até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira,de repente, Surgir,redonda,do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar,e o Império se desfez. Senhor,falta cumprir-se Portugal!
Ser livre é querer ir e ter um rumo e ir sem medo, mesmo que sejam vãos os passos. É pensar e logo transformar o fumo do pensamento em braços. É não ter pão nem vinho, só ver portas fechadas e pessoas hostis e arrancar teimosamente do caminho sonhos de sol com fúrias de raiz. É estar atado,amordaçado,em sangue,exausto e,mesmo assim, só de pensar gritar gritar e só de pensar ir ir e chegar ao fim.