terça-feira, 29 de abril de 2008

O FUTURO


Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente.

Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente.

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.

O que é preciso é termos confiança
se fizermos de Maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.

De Ary dos Santos

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 DE ABRIL,SEMPRE!


Um carro de praça
de Águeda a Coimbra
naquela madrugada de Abril
força força passa passa
não era um passeio fútil...
chegaremos a tempo
sim
chegámos
foi o nosso vinte e cinco de abril
dores alegria e flor de mel
amor ternura carinho
antes do sol
salvé raínha
nasceu a miguel.

terça-feira, 22 de abril de 2008

A PEQUENA PÁTRIA


A pequena pátria;a do pão;
a da água;
a da ternura,tanta vez
envergonhada;
a de nenhum orgulho nem humildade;
a que não cercava de muros
o jardim nem roubava
aos olhos o desajeitado voo
das cegonhas; a do cheiro quente
e acidulado da urina
dos cavalos; a dos amieiros
à sombra onde aprendi
que o sexo se compartilhava;
a pequena pátria da alma e do estrume
suculento morno mole;
a da flor múltipla e tão amada
do girassol.

De Eugénio de Andrade

sexta-feira, 18 de abril de 2008

A BILHA


1
Bilha:forma que se casa
Com o meu coração,
A dar-me,simples,a asa,
Como um menino a mão!

Bilha que serve,na mesa,
E espera,sobre a toalha,
Que a gente sinta a beleza
De quem a trabalha...

Bilha:donzela que dançou,
Dançou tanto de roda,
E na "pose" que me agrada,
De repente ficou!

2
Bilha só para ver...
Parece uma rapariga
Que ninguém quer,
A mostrar a barriga!

Bilha:mais bela por servir,
Por nem sempre conter,
Por se poder
Partir...

Bilha que trabalha,que serve,
Que se enche e esvazia
Com a água e com a sede
De cada dia!

3
Serás,bilha,só a terna
Parede feminina
Entre o espaço que te cerca
E o espaço que te anima?

Mas da própria condição
De só deveres conter
Água para beber
Se forma o teu coração!

De Alexandre O'Neill,in "No Reino da Dinamarca"

terça-feira, 15 de abril de 2008

SONETO ESCRITO NA MORTE DE TODOS OS ANTIFASCISTAS ASSASSINADOS PELA PIDE


Vararam-te no corpo e não na força
e não importa o nome de quem eras
naquela tarde foste apenas corça
indefesa morrendo às mãos das feras.

Mas feras é demais.Apenas hienas
tão pútridas tão fétidas tão cães
que na sombra farejam as algemas
do nome agora morto que tu tens.

Morreste às mãos da tarde mas foi cedo.
Morreste porque não às mãos do medo
que a todos pôs calados e cativos.

Por essa tarde havemos de vingar-te
por essa morte havemos de cantar-te:
Para nós não há mortos. Só há vivos.

de Ary dos Santos
Gravura de José Dias Coelho(assassinado pela PIDE em 19.12.61),retratando o assassinato de Catarina Eufemia

sábado, 12 de abril de 2008

LIBERDADE


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar? nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre,bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa,essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar? Uma coisa que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor,quando há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia,a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores,música,o luar, e o sol que peca
Só quando,em vez de criar,seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

De Fernando Pessoa
Retrato pintado por Mestre Almada

sexta-feira, 11 de abril de 2008

DENTRO DOS POEMAS DE GARCIA LORCA


As mulheres de negro
Estão a olhar a forca...
Eu sou as mulheres
Dentro dos poemas
De Garcia Lorca.

Sou um tempo ambíguo
De misérias frouxas,
De fuligem,teias
E de feridas roxas.

Sou um tempo amargo
De terríveis vidas.
Cabem-me os terrores
E as asas partidas.

Sou um tempo escravo
De combinações.
Retratos de monstros,
Armam as visões.

Sou um tempo
Que não 'stá no Tempo.
Língua de água e fumo,
Solidão no vento.

Sou um tempo eterno
Que se volve Inferno
- Para além,eterno,
- Para aquém,eterno.
E dentro do tempo
Que ladeia a Vida,
Sou um tempo enfermo
De alma destruída...

Ai que lindos versos
Que aos poetas vêm!
Vão calçar-se de oiro,
Vão vestir-se bem.

Vão brincar cabeças
De outros animais.
E serão algozes
E serão ferozes
Como canibais...

De NATÉRCIA FREIRE

quarta-feira, 9 de abril de 2008

ÚLTIMO BILHETE


(um samba para Noel Rosa)

Este é o último bilhete
Que eu mando pra você
Afinal,não pega bem
Mandar recados
Para moça tão requintada
Podem pensar que é macete
De um cara mal intencionado...
Nesses tempos de amor de proveta
Um bom dia é cantada!
Amizade é coisa perigosa
Solidariedade nem se fala
É coisa do capeta
Melhor receber à bala
Pessoa tão perniciosa
E nunca foi minha intenção
Abalar sua reputação!
Muito pelo contrário
No fundo,sou um otário
Um gago apaixonado
Que acredita que o amor
É um bilhete premiado
E cai no conto do vigário
Compra gato por lebre
E canta sua paixão
Desafiando a febre
Dispensa o pára-quedas:
Fica no avião
Até beijar o chão
Tudo bem,é coisa minha
É,e sempre será
Uma questão de opção
E minha opção agora
É deixar em paz essa senhora
"Sem retrato,sem bilhete
Sem luar,sem violão."

De Gerson Deslandes,in Poetagem

sábado, 5 de abril de 2008

sexta-feira, 4 de abril de 2008

SÓ LOUCO! SÓ POETA!


Em ar diáfano,
quando já o consolo do orvalho
ressuma sobre a terra,
invisível e também sem se ouvir
- pois o consolador orvalho traz,
como todos os suavizadores,calçado leve -
lembras-te então,lembras-te,ardente coração,
da tua sede de outrora,
sede de lágrimas celestes e de orvalhos,
tu crestado e cansado,
enquanto sobre atalhos de erva seca
maldosos olhares do sol da tarde
em torno a ti corriam por entre árvores negras,
olhares de sol em brasa,cegantes e cínicos.

"Pretendente da Verdade
- tu?" assim eles te escarneciam

"Não!só um Poeta!

um bicho,manhoso,de rapina,rastejante,
que tem de mentir,
que ciente e voluntàriamente tem de mentir,
ávido de presa,
de disfarces multiclores,
de si mesmo disfarce,
de si mesmo presa,
isso - Pretendente da Verdade?...

Só Louco! só Poeta!
Dizendo só coisas multiclores,
falando multiclor por máscaras de louco,
trepando sobre pontes mentirosas de palavras,
sobre arcos-íris de mentiras
entre falsos céus
vagueando,rastejando -
só Louco! só Poeta!...


Excertos de F.Nietzsche


quarta-feira, 2 de abril de 2008

SONETO DE TODAS AS PUTAS


Não lamentes,oh Nise,o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado.

Dida foi puta,e puta d'um soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu,Lucrérrima,com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado.

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu,
Entre mil porras expirou vaidosa.

Todas no mundo dão as suas gretas
Não fiques pois,oh Nise,duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.

De Bocage