quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SONETO PRESENTE


Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.

De Ary dos Santos

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O ROMPIMENTO À BEIRA-LÁGRIMA


Enquanto a vela respirava,

Ela suspirava elan-

guescida.


Que esvaziava ela com a vela?

Que enchia eu com ela e com a vela?


Tão efluvial,meudeus,a despedida!


No empranchado dessa fragata,

numa panela (ou numa lata?)

a caldeirada

(ao lado,o vergas com o vinho)

que um ganga acocorado,enquanto assobiava,

mexia com um pauzinho.


De Alexandre O'Neill

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

PUNHO


Por isso o punho ponho
em vez do sonho
no rascunho.
Por isso a soco saco
o que é de facto:
Uma mulher com ancas de cidade
uma prensa um ruído uma cilada.
O que for outro nome
o que se possa
dizer escrevendo nada.
De Ary dos Santos

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A MULTIDÃO DAS SOMBRAS


A multidão das sombras
As hostes das visões
Computadores cruéis
Mais os homens robots
Instalaram nos lares
Ouvidos espiões.
Em corações de corda
Em frios corações
Deitaram a paixão.
- Trituram as paixões.
Mas o massacre aguarda
As ordens implacáveis.
De Natércia Freire
Fotografia de dnmatos.blogspot.com

domingo, 13 de setembro de 2009

RETRATO DE LUÍS DE CAMÕES


Não do mar meu Luís mas dessa mágoa
marchetada de tudo apartada de quem
não mais trouxer os olhos rasos de água
por esta terra de ninguém.

Não do mar meu Luís mas da raiz
da nossa amada pátria portuguesa
chulando o mal de bernardim
até à última grandeza.

Não do mar meu Luís mas da galega
couve do pranto aberta pranto raro
pranto tão canto que a cantar te quero
neste deserto de quem fala claro.

De Ary dos Santos

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

LOS HOMBRES DE PISAGUA


Pero la mano que te acaricia se detiene
junto al desierto,al borde de la costa maritima,
en un mundo azotado por la muerte.
Eres tú,Patria,eres ésta,éste es tu rostro?
Este martirio,esta corona roja
de alambres oxidados por el agua salobre?
Es Pisagua también tu rostro ahora?
Quién te hizo daño,cómo atravesaron
con un cuchillo tu desnuda miel?

Antes que a nadie,a ellos mi saludo,
a los hombres,al plinto de dolores,
a las mujeres,ramas de mañio,
a los niños,escuelas transparentes,
que sobre las arenas de Pisagua
fueron la patria perseguida,fueron
todo el honor de la tierra que amo.
Será el honor sagrado de mañana
haber sido arrojado a tus arenas,
Pisagua:haber sido de pronto
recogido a la noche del terror
por orden de un felón envilecido
y haber llegado a tu calcáreo infierno
por defender la dignidad del hombre.

....

De Pablo Neruda

domingo, 6 de setembro de 2009

SEI DE UMA PEDRA


Sei de uma pedra onde me sentar

à sombra de setembro

e vou falar dos girassóis,

essa flor quase de areia

que ombro a ombro com o sol

faz do peso da solidão

o ardor

e a glória dos grandes dias de verão.


De Eugénio de Andrade

Fotografia retirada de "floresnaweb"

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

FIM DE SEMANA


Estirado na areia,a olhar o azul,

ainda me treme o parvalhão do corpo,

do que houve que fazer para ganhar o nosso,

do que houve para esburgar para limpar o osso,

do que houve que descer para alcançar o céu,

já não digo esse de Vossa Reverência,

mas este onde estou,de azul e areia,

para onde,aos milhares,nos abalançamos,

como quem,às pressas,o corpo semeia.


De Alexandre O'Neill