quarta-feira, 22 de abril de 2009

1910 (INTERMÉDIO)


Aqueles meus olhos de mil novecentos e dez
não viram enterrar os mortos,
nem a feira de cinza do que chora de madrugada,
nem o coração que treme retirado como um hipocampo.

Aqueles meus olhos de mil novecentos e dez
viram a branca parede onde urinavam as meninas,
o focinho do touro,o cogumelo venenoso
e uma lua incompreensível que iluminava nos recantos
os pedaços de limão seco sob o negro duro das garrafas.

Aqueles meus olhos no pescoço do garrano,
no seio vazado de Santa Rosa adormecida,
nos telhados de amor,com gemidos e frescas mãos,
num jardim onde os gatos comiam as rãs.

Sótão onde o velho pó reúne estátuas e musgos.
Caixões que guardam silêncio de caranguejos devorados.
No sítio onde o sonho tropeçava na sua realidade.
Ali meus pequenos olhos.

Não me perguntem nada. Vi que as coisas
quando buscam seu curso encontram seu vazio.
Há uma dor de ocos pelo espaço sem ninguém
e,em meus olhos,criaturas vestidas - mas sem corpo!

De Frederico García Lorca (tradução de José Bento;ed. Relógio de Água)
Pintura de P.Picasso.

2 comentários:

moitacarrasco disse...

Registo: "Vi que as coisas
quando buscam seu curso encontram seu vazio"...

Não sei explicar, mas, de algum modo, este poema parece-me premonitório relativamente a Guernica, que o poeta nem chegou a conhecer, ja que morreu no ano anterior à execução da celebrada obra de Picasso, sendo uma das primeiras vítimas da Guerra Civil de Espanha... Natural que se cruzassem os pensamentos dos dois grandes ícones contemporâneos da Espanha sofredora e resistente.

Anônimo disse...

não achei interessante ..prefiro Dom casmugo...vcs são desinformados e sem cultura