Um carro de praça de Águeda a Coimbra naquela madrugada de Abril força força passa passa não era um passeio fútil... chegaremos a tempo sim chegámos foi o nosso vinte e cinco de abril dores alegria e flor de mel amor ternura carinho antes do sol salvé raínha nasceu a miguel.
A pequena pátria;a do pão; a da água; a da ternura,tanta vez envergonhada; a de nenhum orgulho nem humildade; a que não cercava de muros o jardim nem roubava aos olhos o desajeitado voo das cegonhas; a do cheiro quente e acidulado da urina dos cavalos; a dos amieiros à sombra onde aprendi que o sexo se compartilhava; a pequena pátria da alma e do estrume suculento morno mole; a da flor múltipla e tão amada do girassol.
Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não o fazer! Ler é maçada, Estudar? nada. O sol doira Sem literatura.
O rio corre,bem ou mal, Sem edição original. E a brisa,essa, De tão naturalmente matinal, Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papeis pintados com tinta. Estudar? Uma coisa que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor,quando há bruma, Esperar por D.Sebastião, Quer venha ou não!
Grande é a poesia,a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças, Flores,música,o luar, e o sol que peca Só quando,em vez de criar,seca.
O mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca...
De Fernando Pessoa Retrato pintado por Mestre Almada
As mulheres de negro Estão a olhar a forca... Eu sou as mulheres Dentro dos poemas De Garcia Lorca.
Sou um tempo ambíguo De misérias frouxas, De fuligem,teias E de feridas roxas.
Sou um tempo amargo De terríveis vidas. Cabem-me os terrores E as asas partidas.
Sou um tempo escravo De combinações. Retratos de monstros, Armam as visões.
Sou um tempo Que não 'stá no Tempo. Língua de água e fumo, Solidão no vento.
Sou um tempo eterno Que se volve Inferno - Para além,eterno, - Para aquém,eterno. E dentro do tempo Que ladeia a Vida, Sou um tempo enfermo De alma destruída...
Ai que lindos versos Que aos poetas vêm! Vão calçar-se de oiro, Vão vestir-se bem.
Vão brincar cabeças De outros animais. E serão algozes E serão ferozes Como canibais...
Este é o último bilhete Que eu mando pra você Afinal,não pega bem Mandar recados Para moça tão requintada Podem pensar que é macete De um cara mal intencionado... Nesses tempos de amor de proveta Um bom dia é cantada! Amizade é coisa perigosa Solidariedade nem se fala É coisa do capeta Melhor receber à bala Pessoa tão perniciosa E nunca foi minha intenção Abalar sua reputação! Muito pelo contrário No fundo,sou um otário Um gago apaixonado Que acredita que o amor É um bilhete premiado E cai no conto do vigário Compra gato por lebre E canta sua paixão Desafiando a febre Dispensa o pára-quedas: Fica no avião Até beijar o chão Tudo bem,é coisa minha É,e sempre será Uma questão de opção E minha opção agora É deixar em paz essa senhora "Sem retrato,sem bilhete Sem luar,sem violão."
Em ar diáfano, quando já o consolo do orvalho ressuma sobre a terra, invisível e também sem se ouvir - pois o consolador orvalho traz, como todos os suavizadores,calçado leve - lembras-te então,lembras-te,ardente coração, da tua sede de outrora, sede de lágrimas celestes e de orvalhos, tu crestado e cansado, enquanto sobre atalhos de erva seca maldosos olhares do sol da tarde em torno a ti corriam por entre árvores negras, olhares de sol em brasa,cegantes e cínicos.
"Pretendente da Verdade - tu?" assim eles te escarneciam
"Não!só um Poeta!
um bicho,manhoso,de rapina,rastejante, que tem de mentir, que ciente e voluntàriamente tem de mentir, ávido de presa, de disfarces multiclores, de si mesmo disfarce, de si mesmo presa, isso - Pretendente da Verdade?...
Só Louco! só Poeta! Dizendo só coisas multiclores, falando multiclor por máscaras de louco, trepando sobre pontes mentirosas de palavras, sobre arcos-íris de mentiras entre falsos céus vagueando,rastejando - só Louco! só Poeta!...