terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Auto - retrato nº 58468795 - 0025/a


Eu

O cidadão sem cor que entra diariamente

Pela porta de vidro e aço transparente

Assina o ponto pontualmente

E sorri ao redor com todos os dentes

E senta-se na mesa marrom bovinamente

Olha os papéis com duas lentes

Começa a carimbar maquinalmente

Passa as mãos nos cabelos feito pente

Engole de uma vez o cafezinho quase quente

Bate na máquina cada vez mais rapidamente

Com os olhos a brilhar loucamente

O juízo querendo escapar da mente

E conversa com todos suavemente

Recitando com língua de serpente

Olha o tempo passando velozmente

Cada vez sentindo-se mais carente

Amando com os olhos indecentes

Cada bunda que lhe passa pela frente

Pensando na morte muito constantemente

Um pavor que aumenta e se faz presente

A certeza chegando lentamente

De um futuro tão deprimente

Que só sabe dizer,infelizmente

Que um dia irá solenemente

Vingar-se de toda essa gente

Não sou

Eu

Que queria por tudo ser poeta

E se esse desejo é muita pretensão

Ser pelo menos uma pessoa aberta

Sem ter que camuflar o coração

Ter um sorriso de batom na boca

E um papagaio do ombro ao dedo

Queria ser aquele eterno arlequim

Que entra sem medo na roda das crianças

Amigo bem chegado em qualquer botequim

Na ponta da língua sempre uma esperança

De mudar esse mundo de porradas e torturas

Onde o dinheiro vale mais que a palavra

A empresa vale mais que a pessoa

A máquina vale mais que o ser humano

E nada valem as festas e as missas

Quero ser simples e doce como rapadura

Lutar para que a terra seja de quem a lavra

E a vida sobre ela seja boa

E não se alimente mais a fome

Nem se precise implorar por justiça



De GERSON DESLANDES,in POETAGEM

(Vencedor do V Prêmio Literário Livraria Asabeça 2006/Categoria POESIA)

Foto do poeta,apresentando a sua "punheta" no Reveillon familiar de 2007/2008)

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei.
Seu Gerson é poeta mesmo!