sábado, 17 de novembro de 2007

BREVÍSSIMA ANTOLOGIA DA POESIA COM CERTEZA


Morramos todos por isso

mais por isto e por aquilo:

no açougue do toitiço

a poesia morre ao quilo.


Carne gorda carne magra

raramente entremeada

com açorda com vinagre

raras vezes com mostarda

cheira mal diz a comadre

cheira bem fareja o frade

e logo responde o padre

em tom de falso derriço:

Morramos todos por isso

atados como o chouriço!


Só a textilpoesia

nesta meada das letras

muitas vezes desenfia

um colar de contas pretas:

Dona Ernesta vai à missa

toda bordada a missanga;

faz poemas com alpista

tira fonemas da manga

e devotada e artista

diz em tom de lenga-lenga

a oração concretista

da melhor raça podenga:

Deuspeus paipai é quepe

estes poemas fezpez:

-Melo e Caspa faz poemas

como quem tem dores nos pés.


Diz o Alexandre O'Neill

que às vezes lhe falta um til.

Ora ponha-o na cabeça

para ver como se acaba

o que depressa começa

quando a chuvada desaba!

Mas se não fosse o O'Neill

Portugal não tinha Abril.

- Ai meu adeus pequenez

o que será deste mês

se nos não chove de vez?

Bem choveu. Ele que fez?

Tropeçou-nos de ternura

a todos como bem quis.

Em Lisboa amor procura

Alexandre Português

que é gaivota e não o diz.


Já o mesmo não direi

- que me desculpe o Pacheco -

de dona-fiama-irei-

-ao-fundo-do-mar-a-seco.


Descobriu monstros marinhos.

É certo.Mas foi por eles

que errando pelos caminhos

ficou cecília mais reles.


Vila do Conde é maior

que todo o fundo do mar

e o Zé Régio é o melhor

descobridor a cantar.

Se a poesia é uma ostra

em Portalegre cidade

acha a pérola quem mostra

a invenção da verdade.

Na varanda do suor

em tristalegre saudade

José Régio fez um filho

que lhe nasceu por amor

e já de maior idade.


Também Natália é parida

do parto de suas dores

e faz poemas que dançam

toucados de mosto e flores.


Natália ninfa nascida

na ilha de seus amores

quando Camões lhe deu vida

por outros descobridores.


Sei bem que tal não agrada

a Dom Frei Gastão da Cruz

que só não é agostinho

por falta de gás e luz.


Mas um poeta mesquinho

a própria água reduz

quando mija em vez de vinho

desperdícios de alcatruz.

- Pois que mije a toda a hora

e que vá puxando à nora...


Mas há coisas que se puxam

que não podemos saber

coisas que nascem estrebucham

antes de alguém as dizer:

Viva o Zé Gomes Ferreira

quando inventa uma roseira.

Viva o Manuel da Fonseca

quando nos fala da seca

e viva Miguel que outorga

ar livre mesmo que morda.


E tu e tu que me pões

um mago dentro da cama

filho do pai de Camões

Mário de rosas e lama

Cesariny Vasconcelos

nomes que a choldra não grama

porque tu não vais com eles

e ficas em verde rama

tocando no bolso esquerdo

os nomes de quem te chama.


Só é poeta quem perde

o corpo de quem mais ama

-- Isto o dirá em verdade

o grande Eugénio de Andrade.



De JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS

2 comentários:

Anônimo disse...

Alguns excertos fazem-me pensar que já conhecia... Mas não tenho a certeza.
Interessante antologia do grande Ary.

Anônimo disse...

Qu'horror! Não achas, berbigão feliz?
Que coisas feias que o comunista dizia!
Que falta de respeito!
Deus lhe perdoe.
cn